quarta-feira, 29 de novembro de 2017


PRÉVIA

A Solidão do Lagarto

de Tácio Morais Neto

Conheça, aqui, uma página de cada capítulo do romance gênero aventura "A Solidão do Lagarto", de Tácio Morais Neto (heterônimo literário de Cesar Otacílio Gomes), que será lançado no Teatro Carlos Gomes, em Blumenau, na próxima semana, dia 06 de dezembro.

Ilustrações: Cesar Otacílio Gomes
Revisão: Elaine Cristina Sabel Gonçalves
226 páginas


Este livro é dedicado à minha filha e a tudo que deve ser livre: homens, animais, pássaros e pensamentos.


_____________________________

NOTA DO AUTOR

Na década de mil novecentos e oitenta ainda era fácil encontrar praias despovoadas em Santa Catarina. Igual a muitas pessoas daquela geração, também gostava de me instalar em lugares distantes das aglomerações urbanas para descobrir praias silvestres e lugares com natureza inóspita.
Neste meu primeiro livro, um romance inspirado nessas façanhas, o protagonista Lagarto vive uma aventura em uma praia selvagem na ilha de Santa Catarina, Florianópolis, na Praia da Solidão.
Recheada de coragem e adaptação ao ambiente natural, sua epopeia retrata o momento exato da transformação de uma bela praia deserta em uma vila para veranistas abastados.
Acima de tudo, é um olhar sobre atributos humanos.
Narra amizade,
companheirismo,
diversão,
liberdade de viver,
paixões passageiras,
natureza selvagem
e extrativismo de aventura.
Mistura realidade com ficção. Se teatro fosse, o mar e o ambiente selvagem da Praia da Solidão seriam o palco, e a odisseia de Lagarto, um roteiro dramático, o qual poderia ser vivido por qualquer pessoa apaixonada pela natureza e destituída de protecionismos egoístas.


Tácio Morais Neto

______________________________

PREÂMBULO

No auge da sua juventude,
ele, um personagem singular,
profissional artístico literário,
entusiasta esportivo,
rosto de garoto,
homem respeitado na profissão,
estava insatisfeito.  
- Com o emprego?
- Com a cidade onde morava?
- Com as pessoas ao redor?
Nunca definiu ao certo.
Sua única certeza:
precisava mudar a vida monótona.
Então, abandonou tudo.
O emprego,
a cidade,
as pessoas com quem convivia.
Sozinho,
foi morar em uma barraca, em uma praia selvagem,
no sul da ilha de Santa Catarina.
Lá,
fez amizades;
passou por perigos,
romances arrebatadores,
festas ao luar;
coletou comida no mar
e aprendeu valores simples da vida.
Sua aventura é ambientada em meio a uma paisagem natural antes da invasão humana com carros, casas com esgotos, fogões a gás, pousadas, bares e restaurantes para turistas.
Conhecido pelo codinome Lagarto, ele nunca mais foi o mesmo.
A praia nunca mais foi a mesma,
Nada mais continuou igual.

___________________________


____________________________


Nome?
Pode ser qualquer um, não tem a menor importância.
Nome sozinho não faz história, não muda fatos, não é peso nem medida.
O valor do nome está na personalidade da pessoa, nas histórias que viveu, naquilo que construiu, nos desafios e nas dificuldades que superou.
Para o nome ter valor, não basta ser bonito, ter pronúncia musical, ou herança familiar. 
Isso não vale nada, não tem a menor importância.
Ele
mesmo
sabe.
Porque o seu já foi nome do avô, tem pronúncia agradável, gosta de ouvi-lo, não se cansa de repetir.
Tem sorte por ter recebido o nome que tem, não consegue pensar em outro melhor para si. Revelaria de bom grado se o considerasse importante nos fatos que vivenciou.
Sua história não é seu nome, ela aconteceria indiferente a ele. Já seu nome é algo só seu, da sua família, e não interessa a ninguém.
Assim...

– Não tenho a menor intenção de anunciá-lo.

Ele diz.
Até mesmo porque nome não traz respeito, nem honrarias, isso só é conseguido pela soma dos resultados, das ações e atitudes de uma pessoa, nunca pelas palavras contidas na carteira de identidade.  
Ele sabe muito bem.

Trecho do Capítulo I: “Nome é indiferente”

____________________________

– É loucura ficar sozinho numa praia deserta, longe de tudo. Coisa de louco!

Parece não estar certo da sua lucidez, quer ter segurança de que não está desequilibrado. Pergunta-lhe, mais uma vez, se realmente conseguirá viver sozinho numa barraca, comendo frutos do mar todo dia, já que não era o tipo de vida e alimentação habituados.
Ele garante estar tudo bem, ficará bem, está onde quer estar, não precisa se preocupar.
Despedem-se.
Ele acompanha seu irmão com o olhar andando na praia em direção ao Pântano do Sul até onde a vista o alcança.
Depois, inebriado pelo odor da praia, senta-se no banco de bambu na frente da barraca e do mar. Está totalmente absorto e emocionado.
Pela primeira vez na vida está morando sozinho,
no meio do mato,
ouvindo apenas os pássaros e o mar.
Feliz pela magia do momento,
cabelos eriçados,
coração disparado.
Olhando o mar e o horizonte,
sente-se poderoso e, ao mesmo tempo, insignificante com a grandeza e a 
beleza do lugar.



Trecho do Capítulo II: “Procura pelo morar silvestre”


________________________



Não precisa de muito tempo para se adaptar ao novo modo de viver, rapidamente aprende a morar com o mínimo possível de mantimentos comprados em supermercados e lojas. 

Sente-se orgulhoso por dizer para si mesmo:



– Adeus, despesas com aluguel, prestações, água e luz.



Não tem eletricidade, água encanada, rádio, televisão, carro, telefone, jornal, e não sente a menor necessidade disso.

Num fogão-grelha, feito com pedras no chão, 
faz comidas deliciosas, tendo como base frutos do mar pescados na hora.
O mar, agora, era o quintal da sua casa,
o caminho da roça de todos os dias.

No desjejum: café, chocolate e leite em pó diluído em água quente, mingau de farinha de milho, banana amassada e bolinhos.

No almoço, o cardápio variava: polenta com búzios ensopados, siris, arroz, batatas, mariscos e castélas assadas com cebolas, ou peixes assados na grelha, até na folha da bananeira, siri ao natural, macarronada com búzios e saladas. Para acompanhar, vinho tinto ou caipirinha na temperatura ambiente.

No jantar à luz de velas: peixes assados com pirão de farinha de mandioca e molho de tomate, ou sopas com os frutos do mar encontrados ali, no quintal-mar.

Fez um canteiro de temperos ao lado da barraca, assim, tem cebolinha verde e outros condimentos naturais.

Fica imensamente feliz ao descobrir bananas no mato, pés de limão, pitanga, chuchu, mamão e, ainda, espinafre no costão e agrião d’água na parte alta da cachoeirinha.

Tem até um cachorro, uma cadela preta que apareceu na praia, numa manhã chuvosa, cheia de bernes e bichos de pé.





Trecho do Capítulo III: “Novo estilo de vida”


_______________________


A cobra coral continua aparecendo, periodicamente, próximo da hora do almoço geralmente. Uma vizinha indesejável e intimidadora. Lagarto fica paralisado toda vez que a vê rastejando sorrateiramente no capim seco, ou parada, coberta de gravetos, mostrando apenas parte do corpo.
Seu colorido
vermelho,
preto
e branco
aparece entre folhas secas.
Cores arrepiantes,
assustadoras.

– Você é bonita, vizinha, mas toda beleza pode ser fatal.

Fala em voz alta, em direção ao mato, como se a cobra estivesse escutando.

– Estou louco. É isso. Primeiro, faço serenatas para cobras; agora, converso com uma delas, chamo-a de vizinha, desafio-a para uma briga. Coisa de louco!

Continua falando sozinho, sentindo-se ainda mais medroso, ridículo e perdido.
Talvez, fala assim para divertir-se, ou como ele mesmo diz, para ouvir sua própria voz, porque, por vezes, passa semanas sem falar com ninguém, a não ser com a cadela Tulipa e com as cobras e, nesse caso, até canta para elas.
De repente,
avista de novo a cobra no acampamento.
No mesmo instante,
 o tempo parou,
 mas o relógio não para,
com seu coração
batendo em disparada.

Trecho do Capítulo IV: “Vivendo com cobras e lagartos”


________________________



Na solidão daqueles dias, relógio era o sol.
Hora de dormir: o cansaço, 
Hora de comer: a fome.

Com o calor do sol do verão, a preguiça se faz presente na solidão do Lagarto, principalmente, após faustosos almoços regados a caipirinhas, acompanhados de peixes assados, quando, então, gosta de dormir um sono solto, estirado na rede debaixo das árvores.

Local de natureza pródiga, imagens e situações inusitadas surgem e são observadas diariamente na Praia da Solidão.

Baleias com filhotes no mar, cardumes de peixes vistos nas rebentações das ondas, golfinhos pulando divertidamente bem na frente da praia, tucanos nas árvores ao redor da barraca, aranha caranguejeira subindo pela perna na hora do jantar e ouriços do mato fazendo barulho nas panelas ao amanhecer. Mas nada foi mais pitoresco do que a formação de um rio subterrâneo invadindo a barraca durante uma tempestade noturna.

Isso acontece numa madrugada, quando ele acorda com o enorme barulho de uma tempestade torrencial.

Raios caiem perto,
árvores gemem no mato,

troncos rangem,

sons de galhos quebrando,

ecos no morro.

Uma tormenta com vento forte e chuva maciça.

Inclemente,

estridente,

insistente.





Trecho do Capítulo V: “Na Solidão, lembrança do azulão”


_______________________

Lagarto o conhece na praia, quando está colhendo castélas e siris para preparar sopa. Ele o observa, acompanha-o com o olhar, segue-o no caminhar. Não resistindo à curiosidade, pergunta de imediato sobre os caramujos recolhidos no final da onda, por vezes dançando para pegá-los, ou correndo para apanhá-los. Aqueles curiosos caramujos cinzentos meio roxos que se via rapidamente em cima da areia, após a água baixar nos movimentos da onda, o que são? Quer saber.



– Que caramujos são esses? Por que a dança e as corridas para apanhá-los? Servem para comer? São gostosos? Como são preparados?



Pergunta, repetidamente, com interesse.

Lagarto, animado pela nova amizade, explica tudo em detalhes, por fim o convida a participar da coleta e, ainda, lhe ensina o segredo para ter sucesso na busca dos maiores moluscos. Divertem-se e conseguem colher muitos frutos do mar. Depois, Lagarto o convida a experimentar a sopa que preparará ao anoitecer, no jantar, em seu acampamento.



– Traga a esposa.



Diz-lhe Lagarto.

          

– Bueno. Levarei a bebida.



À noite, com o fogão-grelha a todo vapor, Lagarto inicia o cozimento dos frutos do mar. Siris, castélas, búzios e mariscos fervem ao natural em panelas fumegantes. Ao estarem cozidos, ele escorre a água e os coloca ainda quentes sobre a mesa de bambu.



– Vejam só, que lindos, enormes, escolhidos no mar, magníficos! 



Fala o espanhol voltado à esposa. Refere-se aos mariscos que Lagarto havia coletado através do mergulho no costão. Está ansioso para experimentar as castélas, o molusco que não conhece. Lagarto apanha uma, separa o organismo do casulo, lava-o na bacia d’água, tira o fel, joga água fervente da chaleira em cima e dá-lhe ao espanhol, que a experimenta ao natural, apenas com alguns pingos de limão em cima.





Trecho do Capítulo VI: “Solidão com sabor espanhol”


_______________________




Tudo começa na praia, numa noite de lua cheia, quando corre com Tulipa, atividade que costuma praticar nas noites de luar.

Naquela noite,

a praia está prateada,

o mar está brilhando,

tudo está iluminado de prata e amarelo limão.

A lua deixa Tulipa feliz. Ela late, corre, pula, quer brincar, dispara na frente e para os lados.



– Deixa o siri, Tulipa! Não corra atrás dos caranguejos! Tulipa, pare de cavar buracos! Tulipa!


Fala Lagarto em voz alta.

Por vezes, casais são avistados andando de mãos dadas, sentados, apreciando o mar, ou deitados na grande pedra no final da praia.



– Sai daí, Tulipa! Vem, Tulipa, vem!



Chama-a, assobiando o assobio de chamar cachorros. Sua intenção canina é agradar e brincar, apenas.

Com certeza, pretendeu isso ao cheirar os pés de duas mulheres jovens, as quais também estão andando na praia ao luar prateado e retocado de amarelo-limão.

Quer lamber suas pernas, a cauda balança indicando pretender amizade.

As mulheres se abaixam e começam a acariciar sua cabeça.

Lagarto se aproxima, não podia perder a oportunidade de fazer amizade com novas pessoas, ainda mais sendo belas mulheres, em uma noite de lua cheia, quando o coração fica carente.

Com pretexto de buscar a cadela, aproxima-se e abaixa-se para segurá-la, passando o braço no pescoço.

Ao levantar os olhos, vê à sua frente uma bonita morena, banhada pelo amarelo-limão e o prateado da lua. 

Linda,

sorrindo,

olhando-o bem de perto do rosto.
Lagarto, imediatamente, se atrai pelos cabelos negros brilhando ao luar, pela voz macia cumprimentando-o e pelo sorriso refletindo nos olhos a luz da lua cheia.





Trecho do Capítulo VII: “Encontros ao luar da Solidão”



__________________________

Pela primeira vez, desde o primeiro olhar, finalmente estão abraçados. Querem aproveitar plenamente o momento, ali, sozinhos, na madrugada da Praia da Solidão.

Roupas, de um momento para outro, se tornam de importância menor, livram-se delas rapidamente.

Finalmente, estão como imaginaram desde o primeiro olhar: juntos, felizes e enamorados.

Longo tempo depois, não ouviam mais as cantorias e os batuques vindos da festa, o que os fez deduzir que era outra parada da turma para comer peixes assados e beber mais um gole de caipirinha.

Nada que os preocupasse tanto quanto o frio do vento nos corpos desnudos. Nesse momento, apesar da escuridão, os amantes veem diversas pessoas andando apressadas em direção ao local onde se encontram. Logo identificam, à frente do tumulto, o namorado da florianopolitana transtornado, gesticulando e falando alto. Não dava tempo de mais nada, nem de buscar as roupas numa pedra distante, nem de pedir para que não se aproximassem. Assim, preferem manter-se abraçados o máximo que podem na tentativa desesperada de cobrir a nudez dos corpos.

Ao avistar, na penumbra da madrugada, aquela inesperada situação inexplicável com sua namorada, xingou e berrou palavrões de baixo calão, dando entender que estava disposto a brigar com socos, chutes e golpes diversos contra Lagarto. Ela, a bela veterinária, ainda veste suas roupas enquanto é ofendida e puxada bruscamente pelo nervoso e inconformado namorado.

Todos que estão ali, no sereno da madrugada, presenciando aquela bizarra situação, o seguram quando se dirige em disparada na direção de Lagarto, com a intenção de atingi-lo com chutes e socos no rosto, quebrar seu nariz, pernas e o que mais conseguir.

Já Lagarto, ainda nu, procura suas roupas, as quais, na confusão, não sabe onde foram parar.

Apesar das evidências, tenta explicar:



– Não fizemos nada demais, nada demais.



Ninguém acredita, muito menos o namorado da veterinária, que, ainda transtornado, ameaça voltar caso consiga se soltar de quem o está segurando, para acerta-lhe um soco na cara. Ele gritava alucinado, surtado, tremendo de nervoso. Fora ele, ninguém mais deu atenção ao que acontecia, pois isso faz parte dos mistérios das madrugadas na Praia da Solidão, como um campista falou.


Trecho do Capítulo VIII: “Solidão de amores efêmeros”


________________________





À noite, com ajuda de outros colegas, organizam uma festa na praia, com fogueira, comidas, bebidas e cantorias, tendo participação de todos os campistas na Solidão.

Naquele final de semana, Lagarto e a nova namorada parecem feitos um para o outro, quem os vê juntos jura ser amor duradouro, formam um belo, instigante e feliz casal.

Estão sempre juntos, abraçados, e andam sempre de mãos dadas, como neste momento, em frente ao calor da fogueira.

Ao lado da fogueira, 
a noite parece nunca ter fim.

Tem-se a impressão de que todos ficarão ali, 
ao luar e ao sereno, 
sonhando para sempre.

A madrugada chega e a fome também. Para conseguir coletar comida e divertir-se ao mesmo tempo naquela hora, os campistas avançam em direção ao mar. Com uma pequena rede de arrasto e puçás, apanham rapidamente a ceia da madrugada: pequenos peixes, algumas tainhotas, siris e castélas. Todos se molham sem se importar com a água gelada do mar, se divertem e dão gritos de alegria e longas risadas ao mesmo tempo. Logo, no fogão-grelha de Lagarto, tainhotas são assadas, pequenos peixes fritos inteiros, paneladas de siris e castélas cozidos ao natural.

Para comer, como é costume, não se exige etiqueta, cada qual pega um peixe, ou um siri, e come até sobrar apenas espinhas de peixes e cascas de moluscos. Espetinhos com castélas, búzios, cebolas e tomates são comidos com apetite, restando apenas varetas de bambu jogadas ao fogo.

O braseiro do fogão-grelha parece pequeno para tantos peixes e pessoas com apetite.





Trecho do Capítulo IX: “Solidão com comidas e flores”





_________________________





Tainhotas assadas ao Sistema Solidão



Ingredientes:




  • Dez tainhotas (ou quantas tiver), recém-saídas do mar.
  • Quatro limões.



     Modo de preparo:


  • Após acender um braseiro, colocar os peixes sobre uma grelha, sem remover escamas e vísceras.
  • Deixar assar totalmente de um lado e só virar quando, ao serem verificados, os peixes se soltarem facilmente da grelha.
  • Depois de assados, raspar as escamas do peixe com uma faca e retirar as vísceras, as quais, quando assadas, ficam endurecidas e fáceis de serem removidas.
  • Comer os peixes por inteiro, apenas espremendo limão sobre eles.




Caldo de Tatuíra com espinafre Solidão

Serve seis pessoas



Ingredientes:

  • Trezentos mililitros de concentrado de tatuíras.
  •  Doze tomates cerejas (ou três tomates grandes).
  • Duas cebolas de tamanho médio.
  • Tempero verde.
  • Um maço de espinafre.
  • Três pitadas de sal.
Modo de preparo:


  • Para fazer o concentrado, coletar, aproximadamente, um litro de tatuíras vivas.
  • Lavar os pequenos crustáceos, parecidos com tatus em miniatura, para remover a areia trazida do mar.
  • Num pilão (que pode ser feito com um gomo de bambu cortado em forma de copo), macerar cuidadosamente as tatuíras com um soquete de madeira, até formar uma polpa concentrada.   





Trecho do Capítulo X: “Ao sabor da Solidão”



______________________


Durante extensos minutos, nada, mergulha, boia, não se importando com a temperatura fria da água, tudo que deseja é curar a ressaca que o incomoda. Após longo tempo se divertindo, sente-se melhor e bem mais disposto, está pronto para voltar ao acampamento e preparar o café da manhã. Até pensa no cardápio, algo leve, como chá de hortelã, torradas e mel. Mas, ao tentar nadar de volta para a praia, se assusta por não conseguir avançar.

Ao contrário, constata alarmado que já está longe demais e cada vez mais se afastando da praia. Tenta nadar, aproveitando a força da onda na esperança de avançar em direção à areia da praia, e nada consegue, a não ser se afastar ainda mais. 

Olha toda a extensão da praia em busca de alguém a quem possa sinalizar e pedir ajuda, mas não avista ninguém, a não ser Tulipa, correndo na praia naquela hora da manhã. Pratica seu esporte favorito, corre, pula, incomoda caranguejos, perturba siris, tira a tranquilidade das tatuíras. Caso estivesse ao seu lado, diria para parar com aquela bagunça, só para mostrar quem manda. Lagarto pensa, sorri, deu-lhe vontade de gritar para sua cadela, caso não estivesse tão longe da praia, no meio das ondas e em apuros. Precisa sair dali.

Cansado, no mar, 
aquela situação o preocupa demais.

Dizem que, quando a vida está por um fio, toda a existência passa na frente, como em um filme. Pura verdade! Naquela hora, os pensamentos vieram aos turbilhões, tinha que organizá-los sem entrar em pânico. Lagarto pensa na família, na mãe, no pai, nos irmãos, nos amigos, nos professores, nas namoradas e, como não tinha inimigos, não pensa neles.

O tempo passa, e ele percebe assustado que cada vez mais se afasta da praia.



Trecho do Capítulo XI: “Perigos no mar e na areia”





________________________


Os campistas descontraídos e conversadores, junto ao ambiente familiar, numa praia deserta, logo atraem a atenção de Lagarto. A principal curiosidade não era por esse fato, nem pela raridade do fato, muito menos pelo aroma da comida caseira preparada num pequeno fogareiro a gás, e sim pela beleza estonteante e exótica da filha mais velha daquela família.
Não sabe motivo de tanta atração,
 a mulher parece imã a domina-lo,
 é música de sereia chamando pelo marinheiro apaixonado.
Desde o primeiro momento que a viu andando na praia não consegue mais tirá-la do pensamento. Seu coração descompassa cada vez que a vê. Suspira sozinho ao cruzar por ela. Seria capaz de se colocar escondido só para observá-la, e ficaria assim durante horas, ou o dia todo.
Vê-la ao amanhecer é visão que o deixa eufórico o dia inteiro, bastava isso para deixá-lo feliz. Até tem vontade de conversar com ela, mas, como nada sabe, nem seu nome, nem o que faz, prefere ficar apenas
observando-a,
apreciando-a,
sem se cansar.
Entretanto, ela demonstra ter sentimento contrário ao seu, e a certeza vem da negativa explícita de não querer amizade quando, ao cumprimentá-la, não obtém resposta.
Frustração enorme, toda segurança e estratégia utilizada por ele antes para conquistar mulheres não funciona e não serve para mais nada. Parece contramão, afastando-a ao invés de atraí-la. Por mais que se esforce, não consegue chamar sua atenção, fazendo parecer que todo seu poder de sedução foi destruído por essa intrigante mulher. Sente o chão tirado dos pés, perdido em círculos, sem saber o que fazer, qual direção tomar, mas tem uma única certeza: basta vê-la para ficar feliz.


Trecho do Capítulo XII: “A bela da praia e a lenda do guerreiro fugido da guerra”

________________________________________________


Também, carros e ônibus nunca vistos antes, agora, comumente, são encontrados na areia da praia e do acampamento com suas cores industriais misturando-se com a bela imagem até então intocada.
Alguns motoristas empolgados, para mostrar que são espertos, estacionam seus amados veículos bem próximos da água do mar e, talvez, assim, sentem-se verdadeiros conquistadores com seus ricos troféus na Praia da Solidão.
Chama a atenção um motorista afoito, num dia nublado, mostrando sua alegria por ter chegado à Praia da Solidão. Parece estar exercitando seu talento de piloto de corridas e apresenta suas habilidades para quem não tinha nada melhor para ver. Dá voltas e mais voltas velozes na areia da praia, quando, de repente, breca, girando bruscamente o carro, jogando areia para todos os lados. Que lindo, ele deve dizer, considerando agradar tatuíras, siris, gaivotas e alguns veranistas, pois repete constantemente a sua mesma manobra. Não satisfeito, acelera o carro até a beira do mar, respingando água numa nuvem para todos os lados. Não tem algo melhor a fazer, ou será que sabe o que faz? Perguntam-se dois pescadores e Lagarto, que assistem àquela bizarra demonstração de habilidades automobilísticas daquele motorista, um herói moderno tão apreciado pelas mídias e por pessoas pouco esclarecidas.
Uma situação perturbadora. Todos os presentes, Lagarto, pescadores, tatuíras e gaivotas não estão gostando do espetáculo, nem das buzinadas e do barulho estridente do escapamento aberto do carro.
Talvez, a inteligência do motorista de habilidades duvidosas é maior do que aparenta, e ele, piloto de radicais manobras na praia, só está lavando com água salgada do mar seu potente, reluzente e amado automóvel. Vai ver, é isso mesmo. Mas, se alguém pensa isso, tem certeza de que se enganou ao vê-lo encalhado na areia após uma das suas, agora famosas, manobras automobilísticas executadas.
Por mais que acelere, não consegue sair do lugar, apenas faz com que os pneus percam tração, afundando-se ainda mais na areia.
Teria ficado ali, disponível para a maré alta e os siris, caso não tivesse ninguém para ajudá-lo. Para a sorte do motorista, agora menos empolgado, havia, no momento, Lagarto e dois pescadores dispostos a empurrar o pesado veículo.


Trecho do Capítulo XIII: “Carros e ônibus na Solidão”



________________________




O livro "A Solidão do Lagarto" pode ser baixado através do site cesarotacilio.com