quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Ensaio: SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922, A SEMANA QUE AINDA NÃO ACABOU.

 Ensaio: SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922, A SEMANA QUE AINDA NÃO ACABOU.
                                                                                                           
 Era para ser apenas uma semana de manifestações de jovens artistas contra o academicismo e a estagnação nas artes, transformou-se num movimento pela liberdade de expressão para todos os artistas brasileiros que vieram depois.

 No ano de 1922, centenário da independência do Brasil, um grupo de jovens artistas paulistas e cariocas organizaram um evento com objetivo de renovar o ambiente artístico e cultural de São Paulo, e consequentemente, de todo Brasil. Insatisfeito que estavam, pretendiam aproveitar os festejos cívicos para também dar o grito de independência no adormecido em berço esplêndido Brasil das letras, da arquitetura, da música, das artes plásticas e, do pensamento. A realização no país de um festival artístico de tendencias atuais com duração de uma semana, a exemplo da semaine de fêtes de Deauville, França, era muito falado entre intelectuais. Em 1921, o pintor Di Cavalcanti, numa visita a São Paulo e, em conversa com os anfitriões, Paulo Prado e esposa, produtores de café, falou do assunto realização de um evento parecido com o francês em São Paulo,"uma semana de escândalos literários e artísticos de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulistana", teria falado Di Cavalcanti. Não demorou e a ideia criou força. Logo, em torno dela outras personalidades, pensadores, escritores, pintores, escultores, arquitetos, músicos, políticos e produtores de café. Nomes ainda pouco conhecidos tomaram a frente, Mário de Andrade e Oswald de Andrade (apesar do mesmo sobrenome, não tinham ligação parentesca), Manotti Del Picchia, Anita Mafaltti, Victor Brecheret, entre outros. A ideia, é preciso lembrar, não era novidade, vinha se fortalecendo desde a exposição de Lasar Segall em Campinas e São Paulo em 1913, a exposição de Anita Mafaltti em São Paulo em 1917, e o surgimento do escultor Vitor Brecheret em 1920. 
  A introdução histórica no Brasil de obras que se pode denominar modernas, pertence a exposição de Lasar Segall. Sua mostra obteve, apenas, polidos comprimentos da conservadora crítica paulistana da época. Desestimulado, seguiu de volta a Europa, só retornando ao Brasil anos depois. A mostra pioneira de Segall não causou sensação, nem teve força para aglutinar em torno ao jovem expositor, as correntes vanguardistas. Isto coube a exposição de Anita Malfatti, em 1917. Suas obras com tímidas incursões ao impressionismo e ao cubismo, causaram profundo impacto e desgosto por toda cidade e, muito mais nos seus familiares, que se sentiram traídos, já que foram eles os financiadores dos estudo de Anita na Europa. Os  quadros desta mulher de 28 anos, tímida, retraída, sensível e insegura, acendeu o estopim que explodiria na realização da semana de arte moderna, cinco anos depois. Seus temas, um rosto pintado de amarelo vivo, ou então, figuras deformadas, provocaram reações diversas nos observadores, grande maioria sentiu-se ultrajada, ofendida, irritada e escandalizada. Um dos que mais se irritou foi Monteiro Lobato, pintor sem destaque, mas já consagrado como escritor. Pelas páginas de O Estado de São Paulo, lobato fulminou Anita com um artigo injusto e obscurantista. O que mais irritou-o foi a má direção que a pintora tomou. Futurismo, Cubismo. Impressionismo, e "tutti quanti" não passam de simples caricaturas, teria dito entre outras desconsiderações. Imediatamente, a crítica de Lobato produziu dois efeitos contraditórios: por um lado, aglutinou todos os jovens artistas e escritores em torno da expositora, por outro lado, abalou profundamente as convicções de Anita, a tal ponto que perdeu a autoconfiança e nunca mais reencontrou seu caminho de ousadias e experimentações (ao falecer em 1964, estava adepta das filosofias evangélicas e pintava tranquilos vasos de flores com cenas religiosas). Outra exposição importante que influenciou a realização da semana de arte moderna, foi a mostra de Vitor Brecheret em São Paulo, em 1920. Falando sobre o escultor, Manotti Del Picchia afirmou: Um dos maiores escultores nacionais de todos os tempos. Já, Monteiro Lobato, agora numa crítica construtiva a um artista moderno, declarou sua admiração ao escultor: Paremos juntos, e juntos admiremos tão soberba manifestação da grande arte. Admiremos sem reservas, isso é arte, de verdade, da boa, da grande, da que põe o espectador sério e, se é sensível, comovido. Escreveu. Nesta mostra reveladora, Brecheret apresentou esculturas em granito, bronze  e mármore, e pela primeira vez foi possível apreciar a maquete Monumento As Bandeiras, obra monumental que seria inaugurada em 1953 no parque Ibirapuera em São Paulo. Mesmo estando na Europa no período da semana de arte moderna, Brecheret participou com doze obras, todas por ele selecionadas antes de embarcar. Outro personagem importante para o fortalecimento da arte moderna no Brasil e para a existência da semana de arte moderna, é o nome do agitador cultural Oswald de Andrade. Escritor e poeta, após uma viagem a Europa em 1912, retórma ao país influenciado pelo manifesto futurista de Marinetti. No mesmo ano, funda o irreverente jornal O Pirralho e escreve críticas ferrenhas a pintura decorativa e acadêmica tão em voga na época. Enquanto Mário de Andrade, seu colega escritor, poeta e agitador cultural, igual a ele (conhecem-se em 1917, por ocasião das manifestações públicas de apoio a Anita), era mais técnico com obras voltadas ao seu sentimento pela cidade de São Paulo, Oswald era o responsável pelas provocações e polêmicas em rodas literárias, um grande incentivador da busca pela alma brasileira nas artes, um observador da cultura nacional, na sua obra influencia do negro, do europeu e do indígena.
 Assim, diante destes fatos, a 29 de janeiro de 1922, uma nota no Correio Paulistano anunciava a realização, entre os dias 11 a 18 de fevereiro, de uma semana de arte no Teatro Municipal de São Paulo. Mesmo sem o nome de Hélios Seelinger, um dos maiores representantes da arte, considerada moderna na época e, incentivador da realização da semana, o evento aconteceu. Entre os participantes de presença anunciada figuram músicos, como Villa-Lobos, Guiomar Novais; escritores, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del  Picchia, Sérgio Milliet, Plínio Salgado; artistas plásticos, como Vitor Brecheret, Anita Mafaltti, Di Cavalcanti,Oswaldo Goeldi, John Graz, entre outros, e os arquitetos Antônio Moya e Georg Przyrembel.
   Então, finalmente, no dia divulgado, as 20h.30, Graça Aranha abriu a Semana de Arte Moderna, sob aplausos e vaias, com a conferência: A emoção estética na arte moderna. O tempo nublado e quente causava desconforto as pessoas vestidas de colarinho, terno e colete de casimiras. Oswald de Andrade, rosto escorrendo suor, lê alguns poemas com papel tremendo nas mãos, pois desde que começou a recitar o teatro irrompe em vaias. Mário de Andrade, proferiu um discurso sobre estética também sob vaias. Assim a semana iniciou, e assim continuou. Manuel Bandeira, mesmo não estando presente por problemas de saúde, provocou inúmeras reações de agrado e ódio devido seu poema Os Sapos, que fazia uma sátira do Parnasianismo  (estilo estético decorativo) e lido durante o evento. As vaias se sucederam. Numa noite, relinchos, miados, gente latindo feito cachorro ou cantando igual a galo. Sérgio Milliet nem conseguiu falar; Oswald debochou do fato, afirmando que, naquela ocasião, revelaram-se algumas vocações de galinhas d'angola muito aproveitáveis. Na apresentação musical, Villa-Lobos subiu ao palco calçando num pé um sapato e, noutro um chinelo. O público vaiou intensamente, pois considerou a atitude futurista e desrespeitosa. Depois, o maestro esclareceu não ser rebeldia, e sim um calo inflamado que o incomodava. Noutro recital, Mário de Andrade declamou Morte ao Burguês sob algazarra, batidas de pés no chão, batatas jogadas no palco, gritos de reprovações e xingamentos com palavras de ordens. Alto, queixo enorme, meio careca, normalmente calmo, o poeta estava desfigurado, tremendo de nervoso, mas, continuava declamando. De repente, no saguão, uma grande confusão se armou. Lá era o local mais odiado pelo público, com quadros horríveis, cheios de manchas coloridas, que estão chamando de arte moderna, protestava aos gritos o público. Agora, o poeta desaforado e teimoso, parecendo meio irado, estava ali, falando alto sobre o valor daquelas telas.A conferencia, no entanto, não foi curta, e as vaias foram diminuindo. Num momento, houve quase silencio, Mário sorriu e, agora era quem reclamava: Se não houver vaias eu não falo mais. Disse. Mas,nem todas as apresentações da semana foram abaixo de vais, teve também aplausos. A cantora lírica Guiomar Novais foi muito aplaudida, mesmo Villa-lobos agradou bastante o público. Na semana de arte moderna a crítica não poupou esforços para destruir aquelas ideias, e futuras ideias iguais; poemas sem rimas; sons sucessivos sem nexo, são ruídos, são estrondos, são disparates; tudo que estes artistas conseguiram foi desopilar os nervos do público paulista, lia-se nos jornais e ouvia-se nas ruas. 
 Após a realização, os principais artistas retornam a Europa, ou indo primeira vez, como Di Cavalcanti, enfraquecendo o movimento. 
 Devido as inúmeras vaias, as forças contrárias, os comentários de deboche na imprensa, parecia que a semana seria mais um evento a ser esquecido, e rapidamente. Só parecia. Para sorte de todos os românticos e sonhadores, nunca foi esquecida, e a cada ano, fica mais carismática. Após encerramento da semana, iniciou-se uma das fases mais produtivas no país.
  Pintores, poetas, arquitetos, escritores, músicos, mecenas, apreciadores, passaram a reunirem-se e a discutir as idéias difundidas na semana de arte moderna. Ainda no final de 1922, Tarsila do Amaral, uma das artistas que melhor representaria na pintura os ideais da semana, regressa ao Brasil. Por ocasião do evento se achava em Paris, por este motivo não participou, mas acompanhou todos os desdobramentos por correspondências, principalmente com Anita, que, na volta, a apresentou a Menotti Del Picchia, Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Sua arte se transformou e o Brasil cresceu. Em 1926 casa-se com Oswald e entra numa fase de muita qualidade. Aquele grito de modernidade, tão apregoado nas conferencias durante a semana, agora explodia nos quadros de Tarsila. O Abapurú, de 1928, transformou-se no que melhor simboliza a pintura brasileira dos anos 1920 (ironicamente, encontra-se numa coleção na argentina e não num museu em terras tupi-guarani). Depois, no transcorrer dos anos, muitos grupos surgiram como: Klaxon, Dos Cinco, Pau-Brasil, Antropofagia, Núcleo Bernadelli (da qual fazia parte, nosso, Martinho de Haro nos anos 1930) e grupo Ribeirão Preto(da qual fazia parte, nosso, Pléticos, no início dos anos 1960) e muitos outros. Na arquitetura, os projetos passaram a explorar as ideias de ocupação urbana propagadas na semana. No final dos anos 1920, um grupo de arquitetos se destacava no eixo Rio São Paulo: Rino Levi, Gregori Warchavchik, Le Corbusier, Lúcio Costa (que, anos depois, munido de plantas, projetos, paisagistas, urbanistas e artistas plásticos, partiu para construir Brasília), e com eles, também um jovem chamado Oscar Niemeyer.
 Nas Artes, o Brasil deslanchou em todas as direções, em muitas cidades grandes nomes surgiram e se consagraram: Portinari, Rego Monteiro, Goeldi, Guignard, Ismael Nery, Bruno Giorgi, Martinho de Haro, Pixinguinha, Hermeto Pschoal, Gismonti, Naná Vasconcelos, Drumond, Quintana, Lindolf Bell, e muitos e muitos outros.
 Como bem disse Mário de Andrade a respeito daqueles anos: Vivemos uns oito anos, até perto de 1930, na maior orgia intelectual que a história do pais registra. 
  Orgia, que nós, mesmo com menas intensidade e noventa anos depois, parece que nunca vai acabar.   
         
                                                                                                                                                                                                        Tácio Morais Neto

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